Parte 1 – Introdução histórica
Para se entender com clareza o que é o liberalismo, é necessário compreender o contexto histórico de seu surgimento. Isso nos leva ao século XVIII, também conhecido como Século das Luzes, uma referência ao movimento político-filosófico mais amplo chamado de Iluminismo ou Ilustração, movimento este que, por sua vez, gestou o pensamento liberal, tanto em sua dimensão política quanto econômica. A nova visão de mundo passava a valorizar a capacidade racional humana e trazer para a esfera pública critérios racionais de organização social, desvencilhando-se de princípios morais oriundos da tradição religiosa medieval.
As noções de libertação e liberdade
Um primeiro ponto crucial para compreender a doutrina política e econômica subjacente ao liberalismo clássico é sua oposição ao mundo no qual surgiu, isto é, seus princípios podem ser esquematicamente identificados como oposições quase que diametrais ao Absolutismo Monárquico e suas práticas econômicas, agrupadas pela denominação generalizante de “mercantilismo”.
O Antigo Regime, ou o Absolutismo, foi a primeira forma de organização do Estado Moderno, erigido a partir dos escombros do mundo medieval na Europa Ocidental no século XV e vigeu até a eclosão das Revoluções burguesas no final do século XVIII e ao longo do XIX, concebendo um Estado personificado na figura de um monarca de poderes absolutos e ilimitados, com poder inclusive de vida e morte sobre seus súditos e legislando sobre todos os aspectos da vida social, desde a religião até a economia.
As formas de justificação desse poder absoluto vão desde ideologias pretensamente racionais, morais até as religiosas, como podem ser conhecidas a partir do estudo dos mais destacados “teóricos do absolutismo” e suas respectivas obras: Maquiavel (O príncipe); Thomas Hobbes (Leviatã); Jacques Bossuet (Política retirada da Sagrada Escritura).
A síntese do Absolutismo é exemplificada por um de seus monarcas mais simbólicos, o rei da França, Luís XIV, que reinou entre 1643 e 1715, o qual teria dito a famosa frase “l’État c’est mui”, ou seja, “o Estado sou eu”. A centralidade da figura do monarca e a imensidão de seu poder também são dimensionadas pelo apelido a ele conferido de “Rei Sol”.
É evidente que esse poder centralizado só poderia existir mediante a sustentação social dos grupos que viam na manutenção deste monarca absoluto a garantia de continuidade de seus próprios privilégios, ou seja, a aristocracia laica e o clero (proprietária de terras e rendas), bem como grandes mercadores (alta burguesia) detentora de monopólios concedidos pelo rei no comércio nacional e estrangeiro, no contexto do chamado Antigo Sistema Colonial.
Por seu turno, para perdurar, esse rei absoluto deveria ser o fiel da balança entre os diferentes interesses, por vezes contraditórios, entre os diferentes grupos, cuidando para que nenhum deles se sentisse suficientemente poderoso para almejar se sobrepor aos demais. Haveria muito a incluir sobre as estratégias de sucessão monárquica e a política externa das monarquias absolutistas, o que nos levaria a um verdadeiro “Game of Thrones”, mas esse não é nosso foco nesse texto.
O que é importante reter nesse momento é o que caracteriza o Absolutismo, ou seja, o intervencionismo do Estado em todas as esferas da vida social. Portanto, o Iluminismo e o liberalismo buscarão deslegitimar essa intervenção e toda essa forma de organização política e social, abrindo o espaço para a configuração histórica de uma nova forma de Estado, o Estado liberal-burguês, construído violentamente a partir das chamadas Revoluções burguesas no final do século XVIII, tendo como maiores exemplos históricos a Guerra de Independência dos EUA (1776) e a Revolução Francesa (1789). Tais processos revolucionários foram alimentados no plano das ideias pelos mais destacados pensadores iluministas e suas respectivas obras, entre eles: Locke, Voltaire, Rousseau, Montesquieu e Diderot.
É, portanto, na luta pela libertação da tirania dos monarcas absolutistas e pela liberdade política e econômica, bem como pela garantia de direitos individuais (mais tarde denominados Direitos Humanos), que a doutrina liberal se construiu historicamente, buscando redefinir a esfera pública e a esfera privada, redefinindo os limites da intervenção do Estado na sociedade. Esse trabalho de pouco mais de dois séculos ainda não está acabado.
Muitos países, entre eles o Brasil, ainda tem graves problemas em seu sistema representativo e padece de profundos problemas econômicos oriundos principalmente da violenta concentração de renda e desigualdade social, pela manutenção de privilégios a grupos econômicos, tais como ocorria no tempo do Absolutismo. Há ainda no Brasil uma agenda de consolidação de garantias de liberdades e direitos individuais, que são genuinamente liberais, mas entendidos aqui, e erroneamente, dado o grau de analfabetismo funcional e analfabetismo político, como bandeiras “de esquerda” de forma descontextualizada.
Em nosso próximo texto, aprofundaremos a discursão sobre o liberalismo em sua dimensão propriamente política, ou seja, os princípios liberais de organização dos regimes representativos no Ocidente. Fique ligado nas publicações da coluna Cultura e Sociedade.
Para finalizar, deixo três questões para reflexão e caso você queira, para debater com seus familiares e amigos ou ainda, para usar os comentários aqui no blog:
Você concorda que o Estado deve ter o poder de controle e decisão sobre o seu corpo?
Você concorda que o seu corpo pode ser objeto de poder do Estado?
Você concorda que seu corpo é seu e deve ter garantias contra a ação do Estado?
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