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Assassin’s Creed Odyssey: Ubisoft e a Valorização da Diversidade

Assassin’s Creed Odyssey: Ubisoft e a Valorização da Diversidade

É muito comum escutar de fãs da saga AC que eles consideram que aprenderam mais sobre história nos jogos do que nas aulas na escola. Isso é bem possível, embora muito possa ser discutido sobre a liberdade criativa das adaptações de enredos fictícios, envolvendo personagens históricas e seu possível distanciamento da historiografia, sendo que o mesmo ocorre com romances e filmes de fundo histórico ou épico. As equipes da Ubisoft, sabidamente, sempre contaram com respeitadíssimas consultarias acadêmicas para a reconstrução histórica de contextos e mundos dos títulos de Assassin’s Creed.

No último título lançado em 5 de outubro de 2018, Assassin´s Creed Odyssey, produzido pelo estúdio de Quebec, no Canadá, temos a reconstrução criativa do contexto da famosa Guerra do Peloponeso (431-404 a. C), quando ocorre uma disputa armada entre as cidades-estado de Esparta e Atenas pela hegemonia no mundo grego. Esse mundo grego é recriado em toda sua exuberância de fauna e flora, apresentando o mais belo mundo aberto da saga, com paisagens peninsulares de horizontes deslumbrantes, e os contrastes do colorido da vegetação com as areias brancas do arquipélago do Mar Egeu, tudo isso pontilhado pela ocupação militar dos territórios por fortes e acampamentos atenienses e espartanos.

Está presente o costumeiro requinte das ricas informações sobre e eventos e locais históricos, bem como os enredos conectados à trama principal, envolvendo os protagonistas aos personagens históricos, tais como Heródoto, Péricles, Sócrates e Hipócrates, entre outros. Muito embora, do ponto de vista da pretensão de difusão informal da história, Odyssey suprimiu o interessantíssimo “tour histórico” disponível no título “Origins”, que apresentou uma espécie de documentário animado abordando didaticamente diversos aspectos políticos, econômicos, sociais e culturais do Egito Antigo.

Por outro lado, Odyssey introduz na saga dois elementos ensaiados em títulos anteriores e presentes em outros jogos da Ubisoft ou produzidos por outros estúdios, quais sejam: a questão de gênero e a homoafetividade. Trata-se de verdadeiros avanços no que toca as questões de visibilidade da diversidade indenitária nos jogos digitais; reconhecendo os games como instâncias de representação do mundo social tão importantes quanto a literatura, o cinema e a televisão. Para além, confirma a responsabilidade social da Ubisoft diante da consciência de que os jogos promovem uma educação informal de jovens e adultos, o que não significa que o teor educativo deva ser o interesse preponderante nesse tipo de produto cultural. Afinal, os jogos devem ser acima de tudo, divertidos!

Questões de gênero e a cultura contemporânea

Quando se discute as questões de gênero, estamos tratando de um tema muito debatido no campo das Ciências Humanas e Sociais. De forma simples, podemos afirmar que o conceito de gênero se refere às representações discursivas construídas socialmente a cerca daquilo que é considerado feminino e masculino, dito de outra forma, gênero se refere ao conjunto de ideias com força de prescrever performances de masculinidade e feminilidade.

IMPORTANTE: Gênero masculino e feminino não tem nenhuma relação com os conceitos biológicos de macho e fêmea. Não há nas construções discursivas de gênero nenhuma determinação biológica, mas sim, determinações puramente culturais.

Importante ainda salientar que as questões de gênero são hoje alvos de disputas políticas entre setores progressistas e reacionários da sociedade. No Brasil, grupos reacionários criaram forte campanha de desinformação nas redes sociais, disseminando a expressão “ideologia de gênero”, como forma de negar a crítica das hierarquias sociais que envolvem as questões de gênero.

Essa expressão “ideologia de gênero” inexiste na literatura especializada e não é recepcionada pelos pesquisadores da área, serve tão somente aos interesses de pessoas mal-intencionadas em manipular a opinião de segmentos sociais em sua maioria compostos por analfabetos políticos e analfabetos funcionais, acusando que a presença das questões de gênero nos currículos escolares teria a pretensão de transformar as crianças em gays, o que é, na verdade, uma grande falácia.

O que é relevante frisar com relação às questões de gênero é a demonstração das relações de poder e hierarquia que se estabelecem na concepção relacional entre o masculino e o feminino. As ideias que querem definir a feminilidade foram historicamente construídas como pares antitéticos das ideias que buscam definir a masculinidade. Isto é, se a virilidade define o masculino, em contrário, a passividade seria característica feminina. Se o espaço masculino é o espaço público (prática da cidadania e do trabalho), o espaço feminino por excelência seria o espaço privado (lugar de mulher é em casa, na cozinha, cuidando dos filhos). Se a inteligência e racionalidade é atributo masculino, a emoção e o sentimentalismo seria atributo feminino.

O problema identificado desde meados do século XIX e que está na base do feminismo, já subjacente ao movimento sufragista no Ocidente, foi a denúncia de que essas noções construídas socialmente serviram para legitimar e naturalizar uma superioridade masculina, ou seja, fazendo crer, de forma enganadora, que homens são biologicamente superiores às mulheres, e, portanto, seria natural que homens detenham privilégios perante às mulheres.

Não obstante todo o desenvolvimento do feminismo ao longo do século XX, ainda está presente na sociedade contemporânea resquícios dessa mentalidade machista e patriarcal que quer prescrever como homens e mulheres devem se comportar, limitando os horizontes de destinos possíveis e formas de ser e estar no mundo. Sabemos que desigualdades sociais ainda persistem, tais como as diferenças salariais entre homens e mulheres que ocupam os mesmos postos e cargos nas hierarquias empresariais.

Existe uma relação de sintonia, inspiração, uso de repertórios de referências, entre o mundo concreto e o mundo representado em todas as formas de linguagens artísticas: a literatura, a música, o teatro, o cinema, a televisão e também os jogos digitais. Nada mais compreensível e até esperado que os jogos digitais recepcionem a cultura das sociedades nas quais os artistas e desenvolvedores de jogos e os jogadores estão inseridos; concepções filosóficas e políticas são inerentes a todo olhar sobre mundo representado, sendo a suposta posição de “neutralidade” uma noção abstrata e definitivamente impossível, inexistente.

Jogando com mulheres empoderadas

Na ótica da educação informal, a cultura ocidental sempre privilegiou a representação da figura masculina como figuras viris e de força, isto fez com que nos jogos digitais, as personagens protagonistas majoritariamente fossem também masculinas, mesmo porque, a prática social de jogar também foi historicamente mais voltada ao público masculino.

Aos poucos, essa tradição tem sido quebrada. Não só os jogos começam a diversificar suas referências de gênero, buscando atrair um público feminino, como também as representações do feminino têm se sintonizado com os tempos esclarecidos, representando figuras femininas dotadas de atributos antes considerados exclusivamente masculinos, tais como força, coragem, virilidade, heroísmo, etc. Lembremos aqui da mais famosa franquia que tem como protagonista Lara Croft, popularizada no cinema por Angelina Jolie. Embora o protagonista de The Witcher 3 seja Gerald de Rívia, é inegável o empoderamento e destaque das figuras femininas como Ciri, Yennifer de Vengerberg, Triss Merigold, Felippa Eihart, Keira Mertz, Shani e Anna Henrieta.

Lara Croft em Shadow of the Tomb Raider

Muitos jogos têm apresentado a opção de escolha de gênero na montagem de personagens customizáveis, assim como se escolhe as classes com diferentes tipos de armas e estilos de combate e vantagens, lembramos aqui da franquia Dragon Age ou da franquia Fallout, entre tantos outros que poderíamos mencionar. Outros jogos têm criado enredos onde existe a opção de gênero na escolha entre um casal de protagonistas irmãos, sendo essa escolha indiferente para o desenvolvimento da narrativa, por serem as personagens masculina e feminina intercambiáveis entre si; é o caso em partes de Assassin’s Creed Syndicate, Mass Effect Andromeda e agora, Assassin’s Creed Odyssey, uma vez que é possível a escolha entre jogar com Alexios ou com Kassandra o jogo todo.

Kassandra e Alexios – AC Odyssey

Diversidade de orientações afetivas nos jogos digitais

Não só as demandas de desconstrução da cultura machista e patriarcal têm sido recepcionadas nas representações dos jogos digitais, como também a necessária desconstrução da heteronormatividade. Bastante desenvolvida na Europa e na América do Norte, a antropologia cultural tem criticado desde a segunda metade do século XX a manutenção da imposição da heteroafetividade como norma naturalizada. Todos sabemos dos danos em termos de violência física e simbólica causados por concepções homofóbicas disseminadas, seja por uma cultura religiosa que se vale da classificação de comportamentos pecaminosos, ou por um anacronismo pseudocientífico oriundo do século XIX, responsável por patologizar a homoafetividade.

A Ubisoft somou-se nesse esforço de forma bastante historicamente coerente em Assassin´s Creed Odyssey, digo isso porque os especialistas em história grega reconhecem que a homoafetividade era muito comum na cultura grega antiga. Assim como na saga Dragon Age e em Mass Effect, Assassin’s Creed Odyssey possibilita enlaces afetivos do protagonista masculino e feminino com NPC´s masculinos e ou femininos, favorecendo uma cultura que valorize a diversidade de orientações afetivas presentes na sociedade.

Parabenizamos a Ubisoft por essa iniciativa e esperamos que essas tendências permaneçam e se consolidem nos jogos digitais, e que refluxos no combate a todos os tipos de opressão e hierarquização de gênero e orientações afetivas seja algo episódico e passageiro, como no momento presente do contexto brasileiro. Vale lembrar que se soma a essa tendência o esperado The Last of Us 2, que será protagonizado por Ellie, mulher e homoafetiva.

Ellie em The Last o Us 2

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Fábio Pires Gavião

É Autor/Colaborador do UniversoNERD.Net. Professor de História e gamer na plataforma Xbox One nas horas vagas. GT: Gavian Gamer.

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