O folclore, por sua própria natureza, convida à recontagem, contextualizando contos ancestrais para novos contextos, para que suas lições possam ser transmitidas por lentes mais familiares. Chapeuzinho Vermelho, um dos contos mais recontados, não é exceção; pois sua moral, a da dolorosa transição da inocência para a vida adulta, se traduz independentemente de quando e onde você a conta. Sejam os climas do século XVII de Charles Perrault, com suas cestas de vime e perigosas viagens a pé, ou a era dos carros elétricos e smartphones de 2025, os elementos permanecem elementares.
Uma menina perdida na floresta. Um lenhador prestativo. A casa da avó. Um lobo mau.
Mas enquanto adaptações anteriores se inclinaram para a fantasia de lobos personificados, ou até mesmo a levaram para direções mais ousadas do gênero, a estreia de Kelsey Taylor no cinema, “To Kill a Wolf” (ou “Matar um Lobo” ao pé da letra), fundamenta a história no moderno, real e imediato. Aqui, a história é recalibrada como um psicodrama interpessoal discreto, um onde o lobo mau pode não ter dentes grandes, mas seus apetites são igualmente perigosos para o nosso jovem protagonista.
E onde a busca do lenhador para salvar a garota também o ajuda a curar suas próprias feridas.

O lenhador em questão permanece anônimo, interpretado com uma ferida cansada por Ivan Martin; quando o conhecemos, ele vive sua vida de silenciosa solidão. Além disso, ouve discos, sai para verificar armadilhas para lobos e briga com o guaxinim empalhado em sua cabana. Mas um dia, encontra uma garota de 17 anos chamada Dani (Maddison Brown), desmaiada e catatônica na floresta. Com isso, ele a traz para dentro, a cura e cuida, mesmo que ela seja discreta sobre o que exatamente está fazendo lá.
Ela está fugindo de algo e não diz o quê. No entanto, o lenhador está em seu próprio tipo de exílio, e a dupla precisa aprender a confrontar seus respectivos segredos para encontrar a libertação.
Kesley Taylor, que trabalhou anteriormente em curtas como “Alien: Specimen”, de 2019, encontra algumas notas interessantes para tocar dentro dos ritmos da história da Chapeuzinho Vermelho. O conto é dividido em capítulos: “O Lenhador”, “Vovó”, “Lobo” e assim por diante. Também confere a esses dramas domésticos um ar fantástico, elevando traumas pessoais a feras poderosas que devem ser mortas.
O roteiro de Taylor é esparso, mas elegante, transmitindo a dor emocional em gestos silenciosos, em pequenas pistas visuais que vemos nos gestos que constroem seu clima impecável.

Há uma elegância discreta na arte em exibição; “To Kill a Wolf” se desenrola em uma resolução compacta e encaixotada (não exatamente widescreen, capturando os limites psicológicos em que Dani e o Lenhador se encontram. Também, apropriadamente, os situa entre as árvores altas da floresta do Oregon, onde este filme foi filmado e ambientado. O trabalho do diretor de fotografia Adam Lee é superlativo aqui, capturando o musgo fresco, os verdes profundos e a leve queda de neve na jaqueta jeans do Lenhador com toda a textura folclórica de “A Bruxa”. As cenas espreitam por entre as árvores, ao redor das folhas, através do líquen; tudo é atmosférico de maneiras que enfatizam a natureza isolada desses personagens sem exagerar sua influência.
A estatura de Martin e sua melancolia estoica, à la Nick Offerman, escondem profundas fontes de dor emocional, enquanto a profunda fragilidade de Brown brilha em flashbacks que finalmente nos mostram o motivo pelo qual ela pode estar fugindo a pé para, sim, a casa da avó. É aqui que surge outro par de fortes performances coadjuvantes, enquanto vemos a dinâmica venenosa que ela tem com sua tia ressentida (Kaitlin Doubleday) e seu tio psicólogo (Michael Esper), este último imbuindo sua persona de cara legal com seu próprio senso de predação sinistra.
Meu Deus, que dentes grandes ele tem, mesmo quando os esconde com um ar de gentileza e decência exterior. É uma metáfora e tanto!
Ao destrinchar a fábula da Chapeuzinho Vermelho para um contexto mais terrestre, “O Lobo é Para Todos” encontra maneiras mais fortes e delicadas de vender a psicologia latente de sua fábula original.
É verdade que parte da metáfora se perde no “molho”, o que pode matar um pouco do romance de contos como esses. Mas é assim que imagino que uma verdadeira história da Chapeuzinho Vermelho se desenrolaria: duas pessoas fugindo de uma profunda dor emocional, tropeçando em seus próprios caminhos desajeitados para se ajudarem mutuamente e, talvez, saindo disso um pouco mais curadas.
Por fim, seus minutos finais são tão silenciosos quanto os primeiros, mas em seus pequenos gestos em direção a futuros mais brilhantes, a história acerta suas verdades simples sem cair no melodrama. Um primeiro longa-metragem conciso, contido e de certo valor, de um elenco e equipe cuja próxima incursão na floresta certamente valerá a pena afiar nossos dentes para assistir.
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