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O Que é Pós-Verdade?

O Que é Pós-Verdade?

Não obstante a disponibilidade de todas as tecnologias de comunicação, sobretudo as redes sociais, parece que nunca foi tão difícil o exercício do diálogo entre as pessoas. Há um ambiente de animosidade, muros que separam e estancam as pessoas ensimesmadas, apaixonadas por suas próprias “opiniões”. Trata-se de algo altamente nocivo, uma vez que, como sabemos, a paixão, por vezes, cega.

Temos indícios, a partir dos debates que pululam no mundo todo, não se tratar de um problema específico da conjuntura brasileira, embora entre nós essa dificuldade seja bastante aguda. Um dos elementos dessa dificuldade é o que tem sido chamado de pós-verdade. Vamos refletir um pouco sobre esse termo.

A invenção da pós-verdade

O vocábulo “pós-verdade” é um neologismo que apresenta a função de figura de linguagem ao substituir a palavra mais agressiva “mentira”, assim como o termo “inverdade”. O uso pioneiro do vocábulo é atribuído ao dramaturgo Steve Tesich, que o utilizou em artigo publicado na revista “The Nation”, em 1992. Mas foi apenas em 2016, que o termo ganhou popularidade no discurso jornalístico e nas redes sociais, a ponto da Oxford Dictionaries, departamento da Universidade de Oxford, na Inglaterra, eleger “pós-verdade” como a palavra do ano no idioma inglês.

Questões políticas controversas intensamente debatidas nos idos de 2016, no Brasil e no mundo, contribuíram para a disseminação do uso do temo pós-verdade.

O processo de saída do Reino Unido dos acordos da União Europeia, o Brexit (abreviação de British exit); a eleição do empresário e apresentador de televisão Donald Trump à presidência dos Estados Unidos; bem como o golpe parlamentar que encerrou o mandato da ex-presidente Dilma Rousseff, e os desdobramentos políticos desde então, são exemplos de contextos que evidenciaram o fenômeno que se busca capturar pela utilização do termo “pós-verdade”.

O que há em comum nesses contextos é que, mesmo que diversas mentiras, “fake news”, ou frágeis versões sobre acontecimentos tenham sido amplamente evidenciadas ao público como falsas, os grupos aos quais interessava a imposição da mentira, conseguiram fazer prevalecer sua narrativa na opinião pública, levando, portanto, ao diagnóstico de que vivemos em um mundo onde a verdade não mais importa, os fatos não contam mais, ou seja,  teríamos adentrado no mundo da pós-verdade, um tempo pós-factual.

Abrangência e implicações da “pós-verdade

Por não se tratar de um conceito científico, a pós-verdade faz referência à uma “cultura” incipiente, ampla e imprecisa, ou a uma “cultura política” ainda não muito delimitada, que se estrutura, contraditoriamente, pela mediação da internet e redes sociais. Digo contraditoriamente, pois a internet possibilitou às sociedades um processo de hiperinformação, o acesso massivo à fontes de informação, ao passo que a cultura da pós-verdade tem como um traço característico a perda da mobilização da dimensão factual na conformação da opinião pública.

Nunca dispomos de formas tão imediatas de apuração dos fatos quanto temos hoje, ao mesmo tempo em que cresce a insignificância e desinteresse por eles nos necessários debates na esfera pública.

Tal quadro tem nos conduzido a tempos obscurantistas de “terraplanistas”, “nazismos de esquerda”, movimentos contra vacina e revisionismos absurdos de diversas questões já bastante pacificadas no repertório do conhecimento de natureza, de sociedade e história no Ocidente.

Tal contexto de afastamento dos pressupostos básicos da racionalidade moderna, mais precisamente, o afastamento de noções como objetividade e empiria, abre espaço para um processo no qual representações do mundo social formuladas com base na mentira ou em impressões subjetivas, disseminadas por técnicas de propaganda, tenham mais poder de mobilização do que os fatos na conformação da opinião pública. Tais discursos ideológicos, produzidos para capturar o calor da emoção, alcançam amplo contingente que os assume a título de convicções pessoais intransigentes, mantidas aguerridamente mesmo frente a explicitação inconteste da falsidade.

O que é objetividade?

O termo objetividade, na tradição da filosofia do conhecimento ocidental, em termos simplistas, refere-se ao procedimento adotado para a construção de um conhecimento objetivo, isto é, um conhecimento dos objetos externos à consciência de quem busca conhecer. Dito de outra forma, o conhecimento objetivo é aquele que respeitou, no processo de sua apuração, a separação entre o sujeito do conhecimento e o objeto de conhecimento. Portanto, a objetividade busca assegurar um conhecimento que independe das impressões subjetivas ou preferências pessoais de quem busca conhecer.

O que é empiria?

O termo empiria, de origem grega, equivale ao vocábulo latino experientia, em português, experiência. Refere-se à valorização dos processos de experimentação, técnicas de observação, medição, tabulação, catalogação, comparação e outros procedimentos comuns no fazer científico, executados nos laboratórios dentro das instituições de pesquisa e em outros espaços.

De forma simples, podemos dizer que as pesquisas científicas, independentemente de qual área de conhecimento, adotam um ou mais métodos de coleta e tratamento de dados empíricos, isto é, formas objetivas e rigorosas de controle, observação e verificação dos dados e fatos que servem de base para se formular teorias e generalizações sobre os fenômenos estudados. Dizemos que um conhecimento ou argumento é sólido, quando este está firmemente assentado em base empírica, ou seja, pode ser confirmado por dados e fatos universalmente observáveis e comprovados.

Um alerta necessário

Noções como objetividade e empiria parecem estar em franco declínio na cultura geral e na cultura política de forma ainda mais grave. Isto pode ser um dos reflexos da crise na educação pública e privada, no caso mais específico do Brasil. É bastante sintomático o despreparo e carência de instrumentos de expressão e de crítica da população brasileira para a prática da cidadania. As redes sociais, escancaram o alto grau de analfabetismo funcional e mais especificamente o alarmante analfabetismo político de amplas parcelas de brasileiros, em todas as classes sociais.

Será necessário enfrentarmos esse mundo da pós-verdade, atuando em um esforço de retomada de critérios racionais mínimos para o diálogo. Há que se exigir dos interlocutores argumentação fundamentada, afastado da esfera pública esse relativismo narcisista e mimado onde se entende que cada qual tem uma “opinião própria”, e que cada qual tem direito de reivindicar a legitimidade de sua própria “verdade”.

Não conseguiremos avançar e superar nossas amplas deficiências em diversos setores, desprezando fatos objetivos e empíricos, abraçando cada qual “a mentira mais gostosa” ao sabor das conveniências e simpatias pessoais.

Isto é ainda mais urgente quando pensamos em nossa atual conjuntura política e econômica, quando somos chamados a tomar posição sobre políticas públicas e reformas que alteram, modificam e até atacam direitos sociais protegidos por nossa Constituição Federal.

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Fábio Pires Gavião

É Autor/Colaborador do UniversoNERD.Net. Professor de História e gamer na plataforma Xbox One nas horas vagas. GT: Gavian Gamer.

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