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A Imbecilização Profissional Nas Redes Sociais

A Imbecilização Profissional Nas Redes Sociais

Devido a relevância e presença constante e massiva no cotidiano, a internet e as redes sociais tem se colocado como tema permanente de reflexão e debate, figurando também como pivô de polêmicas que tangenciam aos diversos aspectos de aperfeiçoamento democrático do espaço público virtual. O escritor e semiólogo italiano Umberto Eco, um dos grandes intelectuais contemporâneos, falecido em 19 de Fevereiro de 2016, é constantemente lembrado por suas críticas às redes sociais. Em 2015, por ocasião da cerimônia de recebimento do título Honoris Causa, outorgado pela Universidade de Turim, Umberto Eco diagnosticou:

As mídias sociais deram o direito à fala à legiões de imbecis que, anteriormente, falavam só no bar, depois de uma taça de vinho, sem causar dano à coletividade. Diziam imediatamente a eles para calar a boca, enquanto agora eles têm o mesmo direito à fala que um ganhador do Prêmio Nobel.

É necessário digerir adequadamente essa fala de Umberto Eco, para que possamos reconhecer as diversas consequências dessas afirmações. Primeiramente, convém refletir sobre a quem Eco se refere quando diz “legiões de imbecis”. Partindo de diversos verbetes de dicionários e considerando suas acepções mais comuns, a imbecilidade é um atributo de pessoas desprovidas de maiores capacidades intelectuais e detentoras de poucos conhecimentos. Os imbecis, nos casos patológicos, são tratados pela psiquiatria, quando o problema se dá pela má conformação neurológica.

Mas os imbecis a que Eco ser refere seriam pessoas que padecem na ignorância, por opção de life style, pessoas que adotam um estilo de vida que não abarca o estudo e a busca pelo conhecimento e pela crítica das informações que circulam. Há também os imbecis por conformação ideológica, pessoas que aderem acriticamente às ideologias que falseiam a visão de mundo, dos seres humanos e das sociedades.

Não obstante sua ignorância, os imbecis costumam apresentar uma postura de arrogância ao julgar-se arautos de opiniões e verdades auto evidenciadas.

O eminente filósofo inglês Bertrand Russell, Prêmio Nobel de literatura em 1950, demostra que esse problema não é tão recente, porque, falecido em 1970, não foi contemporâneo da internet e mesmo assim vaticinou:

 

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Quem são os imbecis na internet? Onde vivem? O que comem?

Não estamos tratando das pessoas que não tiveram acesso à educação de qualidade, pois, muitas delas são cientes de que precisam estudar, conscientes de sua ignorância, abertas e dispostas a escutar e aprender. Não tratamos nesse texto do processo de marginalização social causado pelos mecanismos de reprodução das hierarquias sociais. Os imbecis são aqueles que são ignorantes sobre sua própria ignorância, odeiam a crítica, pois, são propensos a adotar certezas de forma precoce e cultuá-las de forma intransigente.

São imbecis porque tem mentes pequeninas e fechadas para o entorno, são mentes ensimesmadas

Os denominados imbecis podem ser médicos, engenheiros, advogados ou professores, não importa, pois a imbecilidade não escolhe nenhum status social específico. Os imbecis não aceitam crítica e se revoltam quando apontamos sua imbecilidade. Os imbecis são também covardes, fogem ao debate, por saberem que não conseguirão permanecer sustentando uma argumentação coerente por muito tempo. Dessa forma, costumam classificar as críticas que recebem de “mimimi”, o que, na verdade, não significa nada.

Classificar o discurso oponente de “mimimi” não é uma forma de enfrentar os argumentos opostos e sim uma forma de fugir deles para não ser obrigado a reconhecer que estava errado. 

Os imbecis também fazem uso do vitimismo, alegando serem alvo de “web-patrulha” dos “politicamente corretos”, esperneiam afirmando serem alvo de censura. Costumam usar muito o subterfúgio de atacar o argumentador no lugar do argumento, buscando descredenciá-lo, o que é uma estratégia retórica rasteira. O apresentador de talk-show Danilo Gentilli, que conquistou bastante popularidade em meio a imbecilidade brasileira como comediante de stand-up de baixo nível, é um exemplo eloquente do uso do vitimismo dos imbecis nas redes sociais, como comprova uma postagem recente:

Para esse cidadão, dentro do que tento compreender de sua fala, “ser(sic) divertir de boas nas redes” seria ter a completa liberdade para fazer piadas potencialmente ofensivas às minorias sociais ou a qualquer tipo de pessoas. A limitação da expressão que deve estar dada pelos valores éticos e de respeito aos direitos humanos, cuja a existência é perfeitamente saudável em uma sociedade que se quer democrática, é entendida por esse indivíduo como “patrulhamento”. Percebe-se que falta a ele a compreensão de que o discurso humorístico ou qualquer outro, não deve ser portador de violência simbólica, já que esta contribui para o reforço de uma cultura de preconceito e discriminação, que, por sua vez, reforça estatisticamente a violência física concreta e até o assassinato de negros, mulheres, homoafetivos, entre outros.

Gostaríamos que todas as pessoas públicas tivessem essa capacidade de discernimento, capacidade de autocrítica e autolimitação para que não fosse preciso que outras pessoas os reprendessem e demonstrassem seu desvio ético, sua “escorregada” como ele diz. O trabalho de ter que ficar combatendo humor de baixo nível de gente sem talento e ignorante nas redes sociais, produzindo um desserviço à educação da população como um todo, isto sim é que é um “Pau no cuzisse e nada mais”.

Ao dizer “Não pode opinar tb senão deletam seu perfil”, ele se refere, possivelmente, ao fato ocorrido no último dia 25 de Julho de 2018, em que a rede social Facebook excluiu um conjunto numeroso de perfis atrelados à rede de disseminação de fake news e imbecilização conhecida pela sigla MBL (Movimento Brasil Livre), que foi bastante atuante nas redes sociais no trabalho de convocar as legiões de imbecis às mobilizações de legitimação do golpe parlamentar de 2016. Não meu caro, fake news não é opinião, é só mentira mesmo.

 

Figuras do MBL Organização de disseminação de fake news e imbecilização: Fonte: https://www.b9.com.br/94352/rede-de-fake-news-ligada-ao-mbl-e-derrubada-pelo-facebook/

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Também como aponta Eco, os imbecis formam legiões. Legião era o nome dado a unidade militar do exercido romano na época republicana e imperial. Normalmente, cada legião contava com 3000 a 5200 homens, os legionários, comandados por um general (cônsul ou pretor). Eram divididas em centúrias compostas por infantaria e cavalaria. De fato, apresentam capacidade de identificação e agrupamento, tendente a um tipo de organização de inspiração militar que funciona bem para eles. Como são acríticos, seguem cegamente a um chefe/líder/general, sem questionamento, assim como ocorre entre soldados e seus superiores.

Se por um lado, essa organização militar seja eficiente em caso de guerra, no que tange às legiões de imbecis na internet, essa organização os torna ainda mais pestilentos, uma vez que tais legiões não se importam com o que foi dito, mas sim com quem disse, dessa forma,  a disciplina e lealdade entre os imbecis é inquestionável. Se quem disse é um imbecil, então é um de nós, logo, mitou!

Somente Asterix e Obelix para nos salvar dessa praga!

 

Legião Romana na animação Asterix. Fonte: https://bibliotecabasica.wordpress.com/2016/03/11/asterix-o-gaules-por-tutatis/

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O termo legião também foi bastante usado nos textos bíblicos, normalmente, para ser referir ao coletivo de demônios. É sintomático que o neologismo “sumonar”, que seria sinônimo de evocar, tenha surgido nesses ambientes de confrontação com imbecis na internet, já que, quando um imbecil é repreendido em sua imbecilidade e se vê em um beco sem saída, este buscará o reforço de seus “seguidores”. Esse ato pode ser analogicamente entendido como um ritual da evocação da legião de demônios, no caso, a legião de demônios imbecis, que terão o poder de provocar um barulho ensurdecedor, a qual o oponente não conseguirá responder. Esse poder ou habilidade de “sumonar” a legião de demônios imbecis é um trunfo que o imbecil líder conta para criar a ilusão de que venceu o debate, em função do efeito de aprovação numérica fornecido pela concordância massiva dos imbecis. Para além, o ataque coordenado da legião de demônios imbecis pode provocar uma chuva de ofensas capaz de abalar emocionalmente o oponente.

Brasil: terra fértil para a imbecilidade

É necessário salientar que a democratização do acesso ao direito de expressão e representação trazida pela estruturação do espaço público virtual é algo extremamente positivo, mas, se como Umberto Eco, podemos diagnosticar problemas oriundos dessa democratização, isto se dá pelo fato de que esta não foi acompanhada por um processo de amadurecimento dos pressupostos básicos para o exercício da cidadania, entre eles a educação voltada para o aprimoramento dos instrumentos de expressão e de crítica da população. Tal fato potencializa exponencialmente a capacidade de aceitação e disseminação da imbecilidade.

Esse problema tem sido diagnosticado de forma generalizada, mas é particularmente agudo no Brasil, isso por dois motivos: por um lado, pelo intencional desmonte estrutural dos sistemas educacionais públicos e a questionável qualidade crítica do ensino na rede privada; e por outro, em razão do Brasil ocupar atualmente o terceiro lugar no ranking mundial de tempo de acesso da população à internet, com a média de 9 h e 14 min por dia,  3 horas acima da média mundial, perdendo apenas para Tailândia e Filipinas. Veja os dados da pesquisa nesse linkhttp://karenalberti.com.br/2018-mais-da-metade-da-populacao-do-mundo-esta-online/

Se bem entendidos esses dados, constatamos que quando Umberto Eco fala das legiões de imbecis, boa parte delas é formada por centúrias de imbecis brasileiros. O processo político brasileiro dos últimos anos serviu para constatar a força de mobilização da imbecilidade por meio da internet. As sucessivas ondas de manifestações de rua que construíram a imagem de legitimação popular ao golpe parlamentar de 2016, foram potencializadas pela internet com forte sustentação também dos grandes conglomerados midiáticos. Nesse ano eleitoral, a força de mobilização da imbecilidade pode ser também constatada pelas pesquisas de intenção de votos que apresentam o candidato Jair Bolsonaro com desemprenho proporcional à dimensão numérica de seus simpatizantes nas redes sociais.

 

Legiões de imbecis pró-golpe em 2016 na Avenida Paulista. Fonte: http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2015-12/pm-diz-que-manifestacao-pro-impeachment-reuniu-30-mil-na-avenida-paulista

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Se estivesse vivo, Umberto Eco ficaria assustado com o fato de que no Brasil, os imbecis não só tem o mesmo direito à fala do ganhador do Prêmio Nobel, como o mandariam calar a boca, o recomendariam que fosse para Cuba, o classificariam de “esquerdopata” e ainda concluiriam ser o Comitê do Prêmio Nobel uma organização criptocomunista. Eco descobriria que nossos imbecis estão presos no tempo mítico da Guerra Fria e sofrem de delay histórico, além do intelectual. Ficaria horrorizado ao perceber que, depois de colocar no governo federal uma organização corrupta por meio de um golpe, sob pretexto de combate a corrupção, as legiões de imbecis têm candidatos próprios à presidência com chances reais de serem eleitos.

No YouTube podemos encontrar diversas gravações de depoimentos dos manifestantes pro-golpe em 2016 que demonstram claramente a estatura da imbecilidade brasileira mobilizada também nas redes sociais. Veja um exemplo desses depoimentos:

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2Fonte:http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2016/06/pericia-conclui-que-dilma-nao-participou-de-pedaladas-fiscais.html

 

Fonte: https://exame.abril.com.br/brasil/lista-de-fachin-quem-sao-os-politicos-investigados/

 

3Fonte:https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/temer-sera-investigado-por-varios-outros-crimes-caiu-sua-blindagem/

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A questão aqui não é um posicionamento favorável a qualquer forma de restrição à liberdade de expressão, mas sim a dificuldade que há de se reconhecer que existe uma banalização das opiniões sobre problemas sociais complexos, problemas sobre os quais qualquer posicionamento consistente exige exames mais profundos e hábitos de racionalização que incluem familiaridade com metodologias científicas e estatísticas, não imediatamente acessíveis a massa que casualmente se manifesta sobre eles nas redes sociais.

A situação é ainda mais perturbadora pelo fato de que os imbecis se reconhecem e se unificam na causa da defesa de sua imbecilidade, assumindo uma postura de resistência, de negação das evidências e comprovações. Essa espécie de vídeo-même abaixo ilustra bem esse fato.

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Nas redes sociais brasileiras, a impressão que se tem é que a maior parte da população tem como hábito de lazer estudar política, economia, história, sociologia, antropologia, psicologia, uma vez que todos se sentem perfeitamente aptos a emitir opiniões irrepreensíveis sobre temas profundamente complexos da sociedade, que contam com milhares de publicações especializadas e décadas de pesquisa e debate acadêmico. Dessa forma, as opiniões de especialistas, fundamentadas em conhecimento, são equiparadas “pelo direito de fala” de qualquer imbecil, como salientou Umberto Eco. O quadro se agrava, quando constatamos a força de mobilização e repercussão da imbecilidade nas redes sociais. Darei a seguir alguns exemplos.

O professor e historiador da Unicamp, Leandro Karnal, um dos intelectuais brasileiros mais populares e eruditos na atualidade, conta com um perfil na rede social Twitter com 2.220 seguidores e seu canal no Youtube, cujo título é Prazer Karnal, tem hoje 6.003 inscritos. O perfil do guitarrista e vocalista Nando Moura, no Twitter, conta com 157.139 seguidores, e seu canal homônimo no Youtube atinge hoje a marca de 2.380.613 inscritos. Seria de se esperar que um guitarrista e vocalista de banda de rock fosse mais “pop” que um historiador, no entanto, a popularidade conquistada por essa figura não se dá por seu sucesso musical, aliás, sua banda parece ser bem desconhecida no cenário brasileiro. Sua popularidade se deve a disseminação de conteúdo ideologicamente orientado que é um exemplo bastante eloquente de imbecilização, como podemos constatar na recente postagem abaixo:

O mesmo guitarrista, recentemente, em função da facilidade com a qual a imbecilidade se espalha no Brasil, disseminou a noção contrária a maioria esmagadora da produção acadêmica, de que o nazismo foi uma ideologia política “de esquerda”, sendo que é uma evidência cristalina que o nazismo é corretamente classificado como uma ideologia “de direita”. É claro que, quando pessoas como essa se manifestavam em seus círculos restritos de familiares e amigos, o nível de dano social da desinformação ou doutrinação ideológica era mais restrito.

Hoje, a internet possibilita a conexão em rede dos imbecis, fazendo da imbecilidade uma empresa de grande potencial político e econômico.

Os imbecilizadores profissionais na internet

Este não é um fenômeno restrito ao Brasil, mas que se apresenta entre nós com bastante gravidade. Diante do notório estado de “culto à ignorância” em que vivemos, não tardou para que diversas pessoas passassem a se dedicar integralmente e profissionalmente a esse trabalho de imbecilização. Essa perspectiva do termo imbecilizador profissional foi dada pela escritora e professor de filosofia Marcia Tiburi, em um vídeo do canal Mídia Ninja no YouTube, de 18 de Outubro de 2017, o qual eu gostaria de indicar abaixo:

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Para finalizar essa reflexão, gostaria de acrescentar que as grandes corporações midiáticas têm contribuído para o reforço e legitimação da figura do imbecilizador profissional, quando criam termos como “influenciadores digitais”. Ao reconhecer a grande capacidade de aglutinação da imbecilidade, as mídias tradicionais buscam explorar o potencial de audiência que esses imbecis profissionais podem oferecer momentaneamente. Tal fato amplifica ainda mais a imbecilização, pois, confere notoriedade ao imbecil. Encerro esse texto com um vídeo do canal de comédia Porta dos Fundos, no YouTube, que demonstra ser possível fazer humor inteligente e ter sucesso com talento, a despeito dos imbecilizadores profissionais.

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Fábio Pires Gavião

É Autor/Colaborador do UniversoNERD.Net. Professor de História e gamer na plataforma Xbox One nas horas vagas. GT: Gavian Gamer.

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