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Siga-me, Dê-me O Seu View E O Seu Like: A Ética E A Desumanização Na Internet

Siga-me, Dê-me O Seu View E O Seu Like: A Ética E A Desumanização Na Internet

Em função da relevância que a internet assumiu em nosso cotidiano, muitos temas pertinentes têm sido debatidos sobre ela. Aqui mesmo nesse blog, eu já tive a oportunidade de escrever sobre a relação entre a internet e quadro político atual no Brasil.  Hoje, pretendo apresentar uma crítica a algo corriqueiro que, inicialmente não me incomodava, mas agora começou a incomodar. O incômodo e o estranhamento são os primeiros móveis da crítica, do questionamento, algo fundamental para que não naturalizemos concepções e atitudes que são, sem dúvida, arbitrárias e fruto de uma construção histórica.

O gosto que tomei pelos games como opção de entretenimento, me conduziu a e esse universo que podemos chamar de subcultura gamer no Brasil. Essa subcultura é estruturalmente organizada e dependente da internet no que toca seu processo de constituição também como um seguimento de mercado. A propaganda e a interação dentro da comunidade de jogadores se dão, sobretudo, no espaço virtual, nas redes sociais e plataformas de streaming e mais recentemente, também pelo compartilhamento de áudios de conversas, os podcasts. Portanto, a internet enquanto espaço de comunicação social estrutura a subcultura gamer, assim como outras subculturas e respectivos mercados da indústria cultural mais ampla.

Enquanto espaço de comunicação e de interação social, a internet tem sido objeto de diversos debates de cunho ético, isto é, sobre os parâmetros normativos e valorativos que modelam a conduta das pessoas, das organizações, das empresas e dos governos nos ambientes virtuais. No campo do jornalismo, muito tem se falado sobre a divulgação de fake news (notícias falsas) e a disseminação do clickbait (caça-clique). Tanto a fake news quanto o clickbait são evidentes desvios éticos no âmbito das empresas de comunicação social. Em muitos países, a regulamentação da imprensa tem sido permanentemente revista tendo em conta as diversas situações criadas especificamente pela popularização e impacto social da internet. O Direito também tem se adaptado no âmbito penal para abarcar esse novo tipo de criminalidade digital.

A fake news é obviamente antiética por se tratar de veiculação de informação falsa com alto poder de propagação em função da capacidade de atrair atenção e disseminação por compartilhamentos (viralização), criando uma desorientação massiva pela desinformação. Sua intencionalidade se situa, normalmente, em uma intervenção desonesta no debate público, constituindo-se como uma ferramenta grosseira de manipulação da “opinião pública”. É bastante comum que o alvo da fake news seja a destruição de reputações ou descapitalização simbólica/política pela drástica diminuição do grau de estima e notoriedade de pessoas e ou instituições consideradas adversárias.

A fake news é a forma contemporânea da fofoca no mundo da internet e como tal, pode vir a provocar danos irreparáveis ao alvo.

O clickbait, por sua vez, é uma forma antiética de indução de cliques, pois faz uso da ocultação de uma informação considerada essencial, que poderia ser dada imediatamente em uma manchete ou em títulos de vídeos no Youtube, ou ainda em títulos de artigos de portais, blogs, etc. Um exemplo de título clickbait seria: “Cientistas divulgam data e local exatos da colisão de meteoros com o Planeta Terra”. Sendo que, diante do interesse e literal impacto da informação, um título ético seria aquele que imediatamente desse a informação relevante: “Cientistas confirmam que meteoros cairão em Brasília na próxima segunda-feira”. Como as informações relevantes são intencionalmente levadas ao interior de uma “matéria”, seremos “forçados” a clicar em seu  link ou iniciar o vídeo e assim computar o “view” (olhada, vista), cuja a quantidade é usada para valorizar o espaço publicitário vendido pelos “produtores de conteúdo” da plataforma em questão.

Com a fake news e o clickbait perde-se o sentido público do jornalismo, a premência de se informar com veracidade e completude, ficando evidente a intenção maior não de informar, mas de gerar a maior quantidade de cliques e valorizar o espaço publicitário da plataforma em questão. Não se busca atrair um público leitor pela credibilidade, qualidade e honestidade do conteúdo informativo/opinativo disponibilizado, mas sim pela utilização de técnicas amadoras para se aumentar o valor de venda do espaço publicitário. Trata-se das formas mais grosseiras e antiéticas de redução da comunicação social a sua dimensão mercadológica. Nossa reação diante dessas práticas de ser o rechaço e o permanente estado de desconfiança a todo apelo sensacionalista dos diversos segmentos jornalísticos.

Os “empreendedores individuais” da internet e a desumanização

Também no mundo dos “empreendedores individuais” da internet poderemos perceber que a lógica quantitativa que desumaniza os interlocutores em um processo comunicativo vem se impondo cada vez mais. Não importa quem viu, mas quantos viram; não importa quem segue, mas quantos seguidores; não importa quem se inscreve, mas quantos inscritos, não importa o conteúdo do comentário, mas quantos comentários. Embora as observações que seguem têm como base a subcultura gamer, creio se tratar de aspectos perceptíveis em outras subculturas com forte inserção na internet.

Quando tratamos as pessoas como números, destituímos sua dignidade, ao passo que equiparamos pessoas a coisas e assim, as vemos não como finalidade e sim como meios, instrumentos a serviço de nossos desejos e interesses.

A lógica quantitativa se impõe no comportamento daqueles que, com diferentes níveis de investimento, talento e profissionalização, alimentam a expectativa de alta monetização ou rentabilidade em seus empreendimentos na internet. Falo dos aspirantes a “produtores de conteúdo”, a “youtubers” ou a “digital influencers” (autointitulados) que buscam fazer das publicações de conteúdo escrito ou audiovisual na internet uma atividade rentável ou profissional. É bastante comum que as diversas redes sociais e plataformas de streaming se retroalimentem no trabalho de captação de pessoas que possam ser convertidas em números de seguidores ou inscritos em um canal do Youtube, por exemplo: “Não esqueça de deixar ou seu like e ativar o sininho. Me siga (sic) no Twitter, Instagram e Facebook!

Assim como em outros tipos de iniciativas de negócios, muitas vezes, o retorno do investimento inicial demora a aparecer. É quando a atração dos subterfúgios éticos começa a se fortalecer, os atalhos que visam a acelerar o processo de captação de “clientes”. Um desses atalhos é diminuir o tempo e esforço de dedicação ao empreendimento por meio do plágio por paráfrase, que consiste na cópia de conteúdo de outra pessoa, em sua concepção criativa, intelectual ou metodológica. É muito comum que, ao tornar-se inscrito em diversos canais do Youtube dedicados ao mesmo tema, você perceba que muitos deles são cópias escrachadas uns dos outros, apresentando mesmo estilo de edição, temas, notícias, comentários e opiniões praticamente idênticas. No campo das resenhas (reviews) opinativas de filmes, séries e games, publicadas em blogs ou portais, isso também é evidente. As “análises” são muitas vezes textos “Frankenstein”, uma junção de pedaços de outros textos mal e porcamente disfarçados em seu plágio.

É bom lembrar que o plágio, além de crime é atestado claro de incompetência, desvalorizando a própria atividade que se quer realizar.

O culto

O termo “seguidores” é bastante apropriado, uma vez que, em alguns casos, tudo se passa como num “culto” à personalidade (real ou representada), permanentemente exposta na internet. Ao que se percebe facilmente, muitas vezes, a produção do conteúdo é menos relevante do que a permanente manifestação banal de opiniões banais de gente que fica permanente online nas redes sociais, em busca de angariar likes, views, seguidores ou inscritos. De um lado, gente que se torna dependente de uma espécie de reconhecimento e aprovação pública medida pelo número de likes angariados em uma postagem; de outro lado, pessoas sedentas por mais uma ‘”novidade” ou “acontecimento” aparecendo em sua timeline, dispostas a dar o like não importando o que foi postado, mas apenas, quem postou. Refiro aqui, à busca de exploração econômica disso que tem se transformado em objeto de preocupação no campo da saúde pública, que é o vício ou compulsão psicológica de permanência no mundo virtual, produzindo um exército de “zumbis digitais”.

É também recorrente no discurso nas redes sociais o teor apelativo/emocional para a criação de falsos vínculos de “afeto/amizade/admiração” capazes de render o compartilhamento dos seguidores entre os empreendedores individuais da internet. A troca de referências e menções, o compartilhamento dos espaços de publicação, lives conjuntas, espécies de sociedades temporárias visando ao incremento mútuo dos seguidores e da expectativa de monetização. Há aqui uma espécie de sociedade para mútua alimentação dos egos. Tais discursos e relacionamentos são antiéticos, pois, pautados em um sentimentalismo hipócrita, já que ao fundo e em concreto, o que está em questão é o interesse de inflar egos e números.

Entretanto, nem tudo é “amor” nesse mundo das associações de “celebridades da internet”, muitas vezes há o enfrentamento entre elas, momentos quando o que se busca é  angariar as views dos seguidores/inscritos de uma e de outra, pela criação de uma falsa polêmica onde as partes se auto referenciam por meio de séries de “vídeos resposta” ou falsas “tretas” que tem tão somente a intenção de atrair aquele tipo de público similar aos telespectadores de “Programa do Ratinho” ou “Casos de Família”, só que na versão “YouTube do povão. Na maioria dos casos, não precisa ser inteligente para perceber que tudo não passa de um embuste combinado e encenado pelas partes. Há aqui a subestimação da inteligência de quem assiste, o desvio ético pela falsidade do “conteúdo” e mais uma vez, a desumanização pela quantificação.

Por fim, há hoje na internet brasileira gente muito séria e profissional, que não precisa lançar mão de nenhum subterfúgio antiético para se estabelecer, inclusive financeiramente. Gente que produz, de fato, conteúdo e não apenas reproduz o que outros produziram, gente que não precisa ficar pedindo seguidores, pedindo likes, nem pedindo qualquer apoio ou doação monetária como se estivesse fazendo algum serviço de premência pública. Há sim, profissionais que apresentam conteúdo e formas originais e relevantes, pessoas que conquistam seu público e sua renda pela qualidade do trabalho, pela competência e dedicação, com respeito à inteligência de seu público alvo, sem se comunicar como se estivesse numa relação de clientela.

Não há nenhum desvio ético no sentido da organização de um financiamento coletivo, de uma inciativa coletiva, para benefício coletivo. Contudo, valer-se de um discurso que apele ao sentimento solidário dos “fãs” ou “seguidores” para o incremento de uma rentabilidade individual, seria uma aproximação de um tipo de exploração econômica similar ao que identificamos no campo religioso. Já é antiga a expressão crítica “pequenas igrejas, grandes negócios” e seria uma pena que essa lógica se disseminasse ainda mais na internet, pois o espaço para iniciativas profissionais e de qualidade seria cada vez menor.

Por fim, creio ser necessário elevarmos nosso nível de exigência, nossos crivos de qualidade, deixando de seguir, deixando de dar o view e negando nosso like a quem desrespeita princípios éticos e humanizantes na internet na pressa de ganhar dinheiro.

Bem, galera, é isso. Espero que tenham gostado deste texto! Vocês tem algum jogo de sua preferência que gostariam de ver nos dias de hoje? Deixem nos comentários. Valeu, até a próxima e abraços a todos!

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Fábio Pires Gavião

É Autor/Colaborador do UniversoNERD.Net. Professor de História e gamer na plataforma Xbox One nas horas vagas. GT: Gavian Gamer.

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