Tell Me Why: Uma Narrativa Moderna Com Bastante Mistério E Investigação

Tell Me Why é um game de aventura no formato de episódios feito pela desenvolvedora francesa Dontnod Entertainment e distribuído pela Xbox Game Studios. Está previsto para ter três episódios, sendo todos publicados ainda em 2020, exclusivamente para os consoles da família Xbox One, para Xbox Series X e Windows 10. Para quem gosta ou jogou Life Is Strange, irá ter o mesmo tipo de imersão com esta produção.

Existe um marco muito importante na vida de cada ser humano adulto quando todos percebemos que nossos pais não são apenas figuras monolíticas conhecidas apenas como mamãe e/ou papai, mas são pessoas por si mesmas que têm esperanças, sonhos, pensamentos e desejos que nada têm a ver com seus filhos. Esse não é exatamente um território novo em outras artes, mas podemos dizer que é uma raridade de se encontrar quando o assunto se trata de games. Nos poucos que exploram essa ideia, geralmente é o pai que chama a atenção e isso torna o Tell Me Why uma experiência fascinante desde o começo de sua história. 

Tell Me Why é, sem dúvida, um retrato despedaçado de uma mãe solteira, reconstituído por aqueles que a conheceram melhor do que ninguém e onde gira toda uma narrativa repleta de mistério. 

Feito para agregar ao Xbox Game Pass

O rerato em questão, na forma de memórias, está ligado aos filhos gêmeos de Mary-Ann, Tyler e Alyson. Os fatos desde o início envolvem tais personagens que vivem em uma pequena cidade no Alasca chamada Delos Crossing. A família é pobre, dependendo de esmolas de outras pessoas da cidade, enquanto todo o entretenimento vem da própria natureza ou da imaginação fantástica de Mary-Ann ensinando seus filhos a contar histórias uns com os outros. Com o tempo, no entanto, a saúde mental da mãe se deteriora, culminando em uma noite fatídica em que sofre algum tipo de quebra mental e ataca Tyler, que mais tarde é acusado de matá-la em legítima defesa. Tyler é mandado embora para viver em um lar, enquanto Alyson é acolhida por um amigo da família, um policial chamado Eddy. Quinze anos depois, Tyler e Alyson finalmente se reúnem para voltar para sua antiga casa e limpá-la para ser vendida, apenas para descobrir algumas verdades angustiantes sobre sua mãe, sua cidade natal e em como Mary-Ann morreu. Sim… A história envolve emoções.

Existem alguns mistérios a serem desvendados em Tell Me Why, mas chamar este game de misterioso sugere que é mais cheio de ação, tortuoso e giratório do que realmente é de fato. Há muito de Life Is Strange na essência deste game, onde a maior parte da gameplay envolve simplesmente caminhar, pressionando A quando você chegar perto de qualquer coisa destacada para ouvir os personagens explorando um objeto específico, seguindo com o curso da história e fazendo escolhas de diálogo para os personagens ao longo do caminho. O design é familiar, onde esta equipe de desenvolvimento sabe criar cidades e comunidades repletas de detalhes, lugares que parecem ricos, habitados e cheios de história e cultura. Isso é particularmente especial em Tell Me Why, dadas as culturas representadas aqui que raramente são apresentadas a esse tipo produto, se é que alguma vez foram apresentadas dentro dos games.

Em particular, a forma como a tribo indígena Tlingit é explorada em Delos Crossing, não se autodenomina exótica ou estrangeira, mas é simplesmente excelente. Uma riqueza de detalhes culturais!

O problema com Tell Me Why é que há tanta “perambulação” com a coleção de itens, tarefas aleatórias e resolução de quebra-cabeças, onde nenhum dos quais é difícil ou mesmo complicado, mas também não são particularmente envolventes, ou divertidos, ou mesmo pertinentes ao enredo principal. O game atinge o ponto ideal ocasionalmente e é gratificante, como a sequência em que Tyler e Alyson têm que se esgueirar para os arquivos do departamento de polícia e juntar um registro completo da noite em que sua mãe morreu antes que alguém realmente aparecesse tem um pouco de tensão, mas não existem sequências suficientes como essa para justificar quanto trabalho braçal é necessário para evoluir na trama.

O game fica mais forte e interessante quando se inclina para sua melhor mecânica: os poderes psíquicos moderados dos gêmeos, pois uma produção de Dontnod não está completa sem um gancho sobrenatural. Na maioria das vezes, essa característica é usada de uma maneira que você esperaria em games de exploração desse tipo: quando você está andando pela casa ou em outros locais, uma área ou objeto específico cria uma reconstituição visual nebulosa com memórias da infância. Muitas das grandes escolhas giram em torno de como a memória seletiva pode ser, escolher em qual versão de um momento acreditar e por quê, e o que a versão de uma história pode fazer a um relacionamento. Isso é bastante poderoso, dada a natureza emocional intensa que faz parte de quase toda a história desse game,. Esse é o ponto em destaque!

Uma produção de Dontnod não está completa sem um gancho sobrenatural!

Outro problema é que não existe jogabilidade suficiente de maneira constante. Talvez haja dois momentos que podem ser qualificados como eventos de ação em tempo rápido; um é um minijogo de pesca e o outro envolve ajudar Alyson a diminuir a respiração durante um ataque de ansiedade. As opções de diálogo geralmente são binárias, mudando o clima de uma conversa em vez das mudanças drásticas que suas decisões em Life Is Strange podem provocar. Apesar de um assassinato estar no centro das atenções, os momentos muitas vezes se resumem à cenas bastante melancólicas de arrependimento e honestidade emocional, com a escolha principal muitas vezes sendo perdoar ou não uma determinada pessoa.

Aparentemente, isso não soa como um grande ponto negativo e realmente não é. Mas, simplesmente, não há o suficiente para justificar uma série de três episódios com três horas de duração, pois o game atinge seus pontos altos em um ritmo tão precipitado que cada episódio parece muito mais longo. Tell Me Why é uma ótima experiência, mas corre em círculos em torno das mesmas pedras emocionais por muito tempo durante a maior parte da gameplay e leva muito tempo para chegar ao ponto de qualquer cena quando os fatos que precisamos saber sobre cada personagem foram bem estabelecidos ou descobertos.

Os problemas não estragam a imersão e envolvimento com uma história profunda. Mas acredito que o formato de episódios prolonga demais uma melhor experiência!

Quando Tell Me Why tem algo a ver com os pontos da trama menos cruciais é a favor de dar profundidade e sombreamento a todas as coisas que deveríamos ver mais nos games, especialmente quando se trata de retratar culturas indígenas, religião, sexualidade e doenças mentais, por exemplo. Tyler, em particular, é uma revelação, pois o fato de seu gênero ser interpretado como uma simples faceta de sua vida e não a fonte ou subproduto de qualquer um dos vários traumas do game. É louvável manter o gênero de Tyler fora da conversa quando se trata do conflito primário, mas isso cria um certo vazio na trama como um todo.

É uma história em busca de um limite, de um conflito mais eficaz, de algo que realmente machuque para que a cura chegue melhor. Há uma suavidade no enredo central, apesar da morte e da dor no centro dele, que se inclina fortemente para absolver os sistemas de suporte que falharam em Mary-Ann e deixaram seus dois filhos danificados. O game parece dedicado a nunca deixar nenhum traço do mal entrar na narrativa. É uma história fundamentada e contida, o que faz com que os elementos que não dão aos nossos protagonistas as respostas que buscam pareçam girar. Os quebra-cabeças e as partes da coleção que são tipicamente o pão com manteiga desse tipo de game se encaixam de forma estranha no resto da narrativa.

É um game com muita empatia e respeito,de modo que fica difícil ver seus personagens lidarem com suas falhas de outra forma que não da melhor maneira possível, mesmo com escolhas que afastam.

Além disso, há algo a ser dito que permite aos jogadores explorar emoções intensas com os golpes que vêm tão duros no mundo real, porém mais amenos por aqui. A graça salvadora não é Tyler, embora, como mencionado, sua presença seja forte e bem-vinda, mas na verdade, é a própria Mary-Ann, uma das poucas mães dos videogames e talvez a única personagem que pode ser mais do que apenas suas neuroses, seus fracassos ou mesmo seus filhos. Todos os habitantes de Delos Crossing têm suas complexidades, mas há muito mais nuances nas coisas que aprendemos sobre ela ao longo do tempo, como o trágico benefício de explorar sua vida no passado, em oposição ao estado atual de qualquer outro personagem.

Por fim, em Tell Me Why, nossa imagem mais nítida e duradoura de Mary-Ann Ronan é a mulher morta cujas vidas de filhos foram destruídas após sua morte. Descobrir tudo de belo, inteligente e amoroso que estava acontecendo por trás daqueles olhos combina em como sua vida criou duas crianças fortes e empáticas que a conheciam bem e nem mesmo sabiam disso. Há muito espaço vazio de desengajamento a ser preenchido neste game, mas com um pouco de paciência e simpatia, o que ele oferece vale o esforço.

Toda a narrativa gira em torno de completar nossa imagem de Mary-Ann, e a promessa que o game faz e cumpre é que essa pessoa certamente viveu uma vida plena, mas complicada.

Confira o trailer de lançamento do episódio 1 e boa diversão!

Tell Me Why está disponível para Xbox One. Windows 10 e logo para Xbox Series X.

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