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Papo Sério: Os Games Como Instância De Representação Do Mundo Social

Papo Sério: Os Games Como Instância De Representação Do Mundo Social

Os games são hoje um dos segmentos mais importantes do campo maior da indústria cultural, tanto em termos de capacidade técnica de criação, onde é vanguarda, quanto em termos de faturamento anual, onde é líder. Ao lado do cinema e da televisão, os consoles, os PCs e dispositivos móveis (como smartphones e tablets) disputam a atenção dos usuários em contextos diversos de entretenimento digital.

Os games são produtos culturais muito sofisticados e complexos. Quando tomados como objeto de análise acadêmica ou jornalística, apresentam múltiplas abordagens possíveis. Uma delas é sua dimensão propriamente linguística. Os games, assim como o cinema e a televisão, são formas tecnológicas e artísticas de representação do mundo social por meio da linguagem audiovisual. Muito tem se discutido sobre a dimensão narrativa dos games e suas técnicas de produção da experiência de imersão.

Os games são uma realidade inegável do cotidiano das sociedades contemporâneas, em escala mundial. Não à toa a existência de forte concorrência entre as principais empresas do setor.

Uma representação do mundo social

Existem muitos estudos sobre as características específicas das técnicas narrativas nos games, entre elas destacamos a maior ênfase na interatividade e a possibilidade de apresentar-se como “obra aberta” e inacabada; no sentido lato, isto é, games podem apresentar desfechos diversos em termos de narrativa linear, ou variações exponenciais em uma estrutura de partidas infinitas. Nisto difere radicalmente de um romance escrito (na forma de livro), filme ou série de televisão, uma vez que, salvo os casos experimentais, tanto os romances quanto os filmes apresentam narrativas com começo, meio e fim únicos.

Pois bem, os games são uma das formas mais relevantes de representação do mundo social e por essa condição, ganham dimensões políticas, quando verificamos seu poder propriamente simbólico. Os games são políticos, na medida de seu potencial educativo, quando reapresentam por meio de narrativas ou descrições audiovisuais, vinculações de informações, reconstruções de contextos históricos, visões do presente ou futuro. Além disso, podem apresentar consequências educativas em parâmetros ético-filosóficos, quando colocam o jogador diante de escolhas em diálogos ou ações possíveis, como é comum no gênero RPG.

Enquanto no cinema o processo de projeção ocorra por identificação com traços de personalidade e observação das ações, nos games você assume a condição de protagonista de uma narrativa fictícia com determinado espaço de autoria em diferentes enredos.

Nos jogos, a construção da imersão se dá de forma mais complexa, pois neles não se mantém a passividade contemplativa do cinema ou da televisão, ao contrário, a imersão nos games supõe de forma efetiva a participação do jogador.

Sendo assim, seria previsível que, tal como as demandas de democratização dos espaços de representatividade chegaram à literatura, ao cinema e à televisão, elas chegariam também à indústria de games. Os movimentos sociais que expressam demandas de grupos minoritários, na virada do século XX para o XXI, conquistaram o entendimento de que nenhum grupo social específico tem o direito de possuir o monopólio dos meios de produção e representação do mundo social. A pluralidade democrática desses meios passa a ser objeto de disputa política, o que é muito saudável aos espíritos não autoritários.

Na última década, os games estão se abrindo para as questões que envolvem a diversidade, quando, na customização dos avatares nos jogos TPS ou FPS o jogador pode escolher o sexo, feições faciais e cor de pele, a exemplo de Gears of War, PUGB (Playerunknown’s Battlegrounds) ou Tom Clancy’s The Division, apenas para citar alguns. O mesmo ocorre no momento em que podemos escolher, em games de aventura, entre jogar com uma heroína ou herói, ainda mais quando há opções narrativas de romances homoafetivos ou heteroafetivos, como ocorre em Mass Effect: Andromeda.

figura games - Papo Sério: Os Games Como Instância De Representação Do Mundo Social

Da esquerda para a direita e de cima para baixo temos os games: Tom Clancy’s The Division (Ubisoft, 2016), Mass Effect: Andrômeda (BioWare, 2017), PUBG (Bluehole Studio e PUBG Corporation, 2017) e Gears of War 4 (Microsoft Studios, 2016).

Cada vez mais, temos jogos single player com protagonistas femininas e em diversos aspectos, feministas até, como Lara Croft da franquia Tomb Raider ou Joule em Recore. Isto demonstra que os desenvolvedores de jogos estão cada vez mais permeáveis às demandas de visibilidade da pluralidade identitária concreta, isto é, presente nas sociedades contemporâneas. E isto é uma boa notícia, pois demonstra que mais uma instância de representação do mundo social está se desenvolvendo considerando os princípios democráticos.

É evidente que as reações à democratização dos espaços de representação social podem não ser tranquilas, dependendo do estágio de desenvolvimento da cultura democrática que se considere. É comum que essas incursões democráticas gerem polêmicas nas redes sociais ou nas mídias especializadas em games. Recentemente tivemos uma repercussão a cerca da representação da vagina do avatar feminino em PUGB, a qual necessitou ser refeita diante a interpelação de grupos feministas organizados.

Lara Croft e Joule - Papo Sério: Os Games Como Instância De Representação Do Mundo Social

Da esquerda para a direita as protagonistas femininas: Lara Croft (Rise of the Tomb Raider) e Joule (ReCore).

Para alguns, uma questão fútil, para outros, demonstra o reconhecimento da relevância dos games enquanto instância de representação e sua consequente disputa política. Este caso específico trata da disputa do poder de representação estética do corpo feminino, com quais ou tais características, que podem vir a ser consideradas adequadas ou não, ofensivas ou não.

É muito saudável que haja embates políticos e que eles adentrem o universo da indústria cultural. Não devemos ter estranhamentos com isso ocorrendo nos games, uma vez que eles transcendem sua função primária de entretenimento, por sua relevância educativa intrínseca, pois vincula informações e valores ético-morais, mesmo não sendo essa sua intenção principal. Os jogos reconstroem contextos sociais acessíveis a um público cada vez maior, e nesse sentido, não podem ter sua dimensão política ignorada.

Assim como não poderíamos tolerar um filme que fizesse apologia ao racismo ou a qualquer outro tipo de discriminação, em jogos isto também não pode ocorrer.

Por fim, outro papo sério que, de tempos em tempos volta a ser discutido, é a questão da violência banalizada nos games. Recentemente o presidente norte-americano Donald Trump, ao ter que comentar sobre jovens disparando armas em escolas, voltou a fazer alusão a presença da violência nos jogos, o que incitaria, na visão de muitas pessoas, os jovens a praticar tiroteios na vida concreta.

Particularmente, para ser minimamente razoável, Trump poderia lembrar que haverá tanto maior probabilidade de um jovem cometer assassinatos, quanto maior for a facilidade de acesso e comercialização das armas nos Estados Unidos. Sobre essa questão, eu recomendo o premiado documentário “Tiros em Columbine” (Michel More, 2002). Esse tema da violência banalizada é um tópico antigo e cabe seu debate também no universo do cinema e televisão em geral. Mas a abordagem adequada da violência nos games exigiria outro texto.

Para encerrar, gostaria de mencionar que essa leitura do mundo dos games se fez com orientação em alguns conceitos do sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930-2002).

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Fábio Pires Gavião

É Autor/Colaborador do UniversoNERD.Net. Professor de História e gamer na plataforma Xbox One nas horas vagas. GT: Gavian Gamer.

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